terça-feira, 19 de maio de 2009

A Noiva do Cordeiro no Vale do Paraopeba;

“Com todas as nobres qualidades que possui, a simpatia que sente pelos mais fracos, e benevolência com que trata os seus semelhantes e as mais humildes criaturas vivas, o seu espírito de traços divinos que chegou a penetrar nos mistérios da constituição e dos movimentos dos corpos do Sistema Solar – com todos esses exaltados poderes, o homem ainda guarda, no seu corpo, a marca indelével, de sua primitiva origem (Charles Darwin, 1871)”.

Os artigos postados dentro deste blog não são e nem serão apenas relacionados, única e exclusivamente, com a Comunidade Noiva do Cordeiro. Esta é, de certo modo, a mais recente pesquisa, que ocorre desde 1999. Está entre outras igualmente importantes. Foi o mais recente exercício científico, com estudos etnográficos e mobilização social, desde 2006-2008. Práxis com anuência dos moradores, que forneceram hospedagem contínua, alimentação e transporte, e ampla liberdade de investigação. Fato que resultou no acervo que hoje é composto por 8.347 laudas de computador, entre textos, entrevistas, além de 5.800 fotos, algumas doadas por colaboradores. Ao contrário do que muitos poderiam pensar não é um produto de atividade egocêntrica, e por isto mesmo foram adotadas medidas que facilitasse a compreensão ampla dos moradores do local. Há uma contrapartida que favorece ambas as partes. É amplamente comentado a nova condição dessa comunidade que antes de 2006 era alvo de comentários e intrigas maldosas e esteve assim, atentamente observada e orientada durante o período de envolvimento direto com os acontecimentos locais. Os estudos foram realizadas a pedido e convite de Rosalee Fernandes Pereira e Delina Fernandes Pereira (lideranças locais, com a mais transparente relação possível entre as partes. O marco inicial para combater a idéia popular de que todas as mulheres de Noiva do Cordeiro eram "prostitutas" foi dado no dia 21 de outubro de 2006, numa palestra para vizinhos do município de Belo Vale (Palmital, Lages, Costas). Desde então, diferentes medidas foram tomadas, com anuência dos moradores, e alguns casos de forma rigorosa, para marcar a diferença entre um período e outro. Durante os estudos investigativos nunca ocorreu qualquer fato que justificasse crer que em Noiva do Cordeiro existisse prostituição. Do mesmo modo, não foram registradas ocorrências de quaisquer atos preconceituosos contra os moradores. No lugar de preconceito foram registrados fatos comprobatórios de rejeição; o leitor deve estar ciente de que todo preconceito é uma rejeição e nem toda rejeição é um preconceito. Há uma clara distinção entre o documentário Noivas do Cordeiro (exibido pela GNT)e o que é mencionado nestes recentes artigos. O documentário foi realizado durante dez dias consecutivos, com a beleza artística e habilidades jornalísticas, que são inteiramente diferentes dos propósitos científicos, de etnologia, realizados intensivamente durante 02 anos. Não concordar com um item ou outro, não significa destruir o que já foi feito pelos profissionais deste empreendimento; nenhuma obra humana é perfeita. Os artigos do Belo Vale Cultura e Pesquisa Científica, embora sujeitos à má interpretação de alguns, malícia de outros, e ainda superficialidade de outro número de leitores, não foram redigidos com malevolência e desrespeito às diferenças e separações que existem entre as pessoas. Os profissionais em pesquisa de campo devem compreender as diferenças que existem no círculo interno das relações íntimas, que está dentro do círculo das relações particulares, e este último dentro do círculo das relações sociais e antes das relações públicas. Evidentemente, não é uma publicação completa nos assuntos exaustivamente estudados, por isso sujeita a falhas. Mas certamente o leigo não precisa ser um gênio para entender o que é exposto, tanto quanto a equipe encontra-se disponível para esclarecimentos e correções.
Os estudos etnográficos foram realizados na análise do grupo de Noiva do Cordeiro, em suas particularidades, visando à reconstituição, tão fiel quanto possível, da vida de cada um deles, com dedicação ao conhecimento exaustivo da cultura material e imaterial. Com ênfase nas inter-relações dos indivíduos e meio ambiente, e a subcultura, na tentativa de compreender a operosidade e mudanças ocorridas. Estudos intensivos de observação participante e ampla cooperação dos informantes voluntários da comunidade.
A pesquisa historiadora se apossa de todo documento como sintoma daquilo que o produziu (dados estatísticos, historiográficos, registros em cartórios, fóruns, delegacias, etc.). O termo “história” sugere uma particular proximidade entre a operação científica e a realidade que ela analisa. Nisto, os registros dos acontecimentos são excelentes instrumentos para esclarecimentos e reconstrução do passado. Discutindo, pormenorizada e saudavelmente, para a construção de uma cidadania digna. Análogo ao proveito, menos discutível do divã psicanalítico, que é tomar consciência (=ciência), pela reconstrução do passado, de como se chegou a adquirir certas atitudes e formas de respostas. Não se pode reduzir os fatos históricos a peças, em termos de significados subjacentes. Fazê-lo é uma irresponsabilidade com tudo que existe de mais rico no Patrimônio que é Noiva do Cordeiro. Qualquer estudioso que seja interessado pela representação deste grupo sui generis no município de Belo Vale deve ser responsável, honesto e empreendedor, numa busca incansável pela resposta consistente, dentro de uma idéia concatenada. Os Oportunistas certamente serão sempre estorvos. Nunca antes havia sido historiografado o enigma dos acontecimentos em Noiva do Cordeiro, antes da investida profissional do Purbasiun Vitae Project - Intelectual Ecology & ASMAP, e somente após o release enviado para a redação do Estado de Minas, com a posterior matéria do jornalista Gustavo Werneck.Os estudos investigativos foram muito além das intrigas de adversários políticos, brigas de vizinhos ou de namorados. Trata-se, pois, de um estudo detalhado e auxiliados por diferentes instituições que prestaram relevantes serviços, seja em Montes Claros, Belo Horizonte, Belo Vale, Japaraíba, etc. Os fatos envolvendo a comunidade de Noiva do Cordeiro no Vale do Paraopeba são ricos e é relevante recompô-los, contextualizá-los, e, fazê-los mais significativos quanto inteligíveis. É preciso distinguir o que é histórico, história das mentalidades, "fofocas", folclore, micro-história, mito e a análise ali contida. Há uma crença entre os leigos, de que a atividade científica se propõe a representar um sistema de Verdade Absoluta. Um equívoco, pois as pesquisas científicas não podem obedecer aos cânones neolíticos, e admite mais facilmente a heresia científica do que ao dogma científico. Trata-se de um estímulo à criatividade, originalidade e ecletismo do pesquisador científico. Este último nunca deve ser moldado a doutrinas fixas, muitas vezes ingênuas, bizarras e ainda pior quando são mentirosas.
Ciência é uma palavra usada por muitas pessoas de modos diferentes e equivocados, se não se refere ao que é provado, no contexto da realidade objetiva, deixa de ser ciência, torna-se ficção e reforça a mentira e fofoca. Ciência para algumas pessoas é sinônimo de aventais brancos, laboratórios, etc., outros imaginam apenas a tecnologia. Que pena muitos não sabem o que é ciência. Deve-se salientar que a prática laboriosa e científica não deve ser para corroborar preconceitos e tampouco deva se furtar aos detalhes que, embora desagradáveis, facilitem ao entendimento. Na prática, não é nem mística, nem pura, mas deve ser um compromisso entre o possível e o ideal, sempre busca a honestidade.
Pesquisas por coerção (subentende-se vínculos emocionais de parentesco, oportunismo e interesses puramente comerciais) produzem fraudes “científicas”, trapaceiam a verdade e desorienta outras pesquisas. Sendo fundamentalmente uma atividade racional e objetiva, deve ser capaz de resistir a uma avaliação racional e objetiva. Os aspectos que não sobrevivem à crítica, provavelmente, não deverão continuar fazendo parte do empreendimento científico. As pesquisas são freqüentemente realizadas para permitir enunciados descritivos sobre alguma população. Isto é, descobrir a distribuição de certos traços e atributos. E ainda existe o objetivo adicional , além da pesquisa quantitativa, de fazer asserções explicativas sobre a população, ou um fenômeno e acontecimento. Explicar quase sempre requer análise “multivariada” – exames simultâneos de duas ou mais variáveis. Significa ter conhecimento das variações dos desenhos básicos, amostras paralelas, estudos contextuais, sociométricos, etc., e nunca negar o erro amostral. Uma pesquisa de campo, quando realizada de maneira profissional, inteiramente diferente das “pesquisas de gabinete” ou aquelas realizadas nos finais de semana, nas férias e ainda durantes festividades e encenações. O verdadeiro pesquisador, seja um professor, bacharel, graduado, acadêmico ou reitor, e até mesmo o amador, pode fornecer grandes serviços, se o fizere de maneira séria e empreendedora. Se for ao contrário, nunca serão suficientes os títulos e cargos para dar conteúdo aos trabalhos medíocres e tendenciosos. Uma pesquisa de campo, nos estudos de antropologia, pode transcorrer durante décadas, e o profissional desta área muitas vezes submete-se às mais diferentes situações; pesquisas em prostíbulos, penitenciárias, favelas, etc. É algo complexo e raramente exibe beleza artística, pois o profissional é um clínico geral das sociedades. Quando intervém pode também apresentar remédios amargos. Não tem o glamour dos palcos e televisão, mas não é inútil. No Vale do Paraopeba os trabalhos foram e tem sido sempre mais e mais extenuantes, e ocorrem em regiões de difícil acesso. A metodologia geralmente empregada foi histórica, estatística, ecológica, dedutiva e “case-study”.
Os modelos simples e incompletos, por isso mais facilmente enganosos, estratégia adotada por aventureiros e oportunistas de plantão. Nestes casos, não conseguem ser descritivos dentro de um contexto sócio-histórico. O que é aviltante, mas infelizmente comum, em lugares, tais como o Brasil, que muito pouco faz para o desenvolvimento das ciências. “Nada é mais essencial a uma sociedade que a classificação de suas linguagens” (R. Barthes). Malinowski foi um dos primeiros a reagir aos estudos de gabinete, por serem inexatos e insuficientes, especialmente, se forem estudos provenientes de aventureiro-turistas não treinados para o exaustivo trabalho de pesquisa de campo.
Trata-se de um estudo meticuloso e autêntico que não foi demonstrado numa contra-vontade negativa, na forma de obstinação e resistência, teimosia ou artimanha com base emocional; muitas vezes defendemos nossa mãe e irmãos, mesmo quando cometem erros. Certamente, se a maioria das pessoas inclina-se a adotar o mais fácil e, em certo sentido, menos exigente, ainda que seja um tal modo desastroso a curto, médio ou longo prazo. Isto não quer dizer que seja o melhor caminho; muitas pessoas evitam a crítica e autocrítica. Todos devem saber que um resultado isolado, erguendo-se sozinho, é sempre possível tornar-se mais e mais falho. Contudo, as teorias, resultados científicos e historiográficos forma uma teia, e não uma cadeia. Em Noiva do Cordeiro a observação participante foi dinâmica e sistemática, com diferentes atividades no cotidiano, na forma de implementação organizacional, de acordo com o que foi discutido amplamente. Daí a possibilidade dos estudos dessa subcultura, na sua lógica cultural e busca do foi possível conhecer da cultura oculta. Neste ponto, o estudo da cultura (comportamento) envolve, pelo menos em parte, a comparação, a classificação, e análise científica desses fenômenos. Algo diferente de uma simples opinião, pois discorre sobre uma teia de significados. Certamente, se a citação sobre o período de transformações que ocorreram, no povoado de Noiva do Cordeiro, pode fazer com que as pessoas compreendam pela descrição parcial da ocorrência. É evidente que o termo “criança”, utilizado nestas postagens, é associado ao sinônimo de “inocência”, comumente utilizado em língua portuguesa. Do mesmo modo a observação contínua do cotidiano (2006-2008) permite afirmar que o teatro é uma atividade substitutiva dos ritos religiosos anteriores, dos tempos da Igreja Noiva do Cordeiro, somente comparado à paixão e esforço com que tratam a Associação Comunitária Noiva do Cordeiro; algo elogiável. Concordar com as habilidades artísticas e união fervorosa, com ressalvas, é uma coisa. Contudo, seria sempre ingênuo considerar que as lágrimas e lamentos artísticos sejam fruto de um sofrimento profundo. Do mesmo modo seria estúpido negar que mulheres ofendidas no âmago de suas almas não têm motivos para sofrerem com o que é para elas uma humilhação. Mas há uma diferença entre sentir-se humilhado e a intenção clara de humilhar. Existem diferenças siderais entre as pessoas que certamente provocam destaques para uns e eclipsam outras, para o orgulhoso uma situação humilhante. Preconceito é sempre algo repulsivo que muitas culturas produzem, e mesmo a vítima não tem direito de praticá-lo. Preconceito é fruto de ignorância. Contudo todos têm direito de rejeitar o que não agrada, desde de que não seja por preconceito.

domingo, 10 de maio de 2009

ONDE HOJE É O BAR, ANTES ERA A IGREJA NOIVA DO CORDEIRO

Rebelião dos fiéis
em busca da felicidade na terra


A ambigüidade da palavra rebelião definiu com clareza o acontecimento inusitado entre os antigos fiéis de seita fundamentalista. Se realmente Maria Senhorinha de Lima, antiga moradora de Roças Novas de Cima, foi excomungada oficialmente ou mal falada pelo seu ato transgressor da norma e costume, importa menos. É claro que algo aconteceu pois deveria acontecer, se uma mulher rompesse com o casamento e fosse morar com outro; atitude corajosa mas transgressora. Os grupos de pessoas religiosas da época devem ter provocado constrangimentos, com os comentários e tratamento dispensados a essas pessoas.
Quando Ramiro Vicente, o filho dela, voltou de São Paulo para a região , convertido à Igreja Batista, com certeza veio com um discurso novo, de um cristianismo salvífico que o catolicismo não representava mais. Neste ponto é absolutamente compreensível a ação libertadora, pois a condição de inferioridade religiosa, diante do ser Onipotente, causava sofrimento. A conversão da maioria, e a construção de uma Igreja Batista era um enfrentamento e busca de libertação da situação desagradável.
Anos mais tarde quando o Pastor Anísio Pereira fez surgir uma dissidência religiosa, com sua seita recém elaborada, sob o nome de Noiva do Cordeiro, até aí, tudo perfeitamente normal, relevante, mas comum. Seitas, igrejas, templos, etc., surgem constantemente. Entretanto, com o ato ainda mais surpreendente, num espaço de tempo tão curto (é inegável que em termos de história, 100 anos é o equivalente a poucas horas). Um fenômeno raro foi o fato de os fiéis dessa seita romperam com o antigo sistema, abandonando radicalmente o que pregavam antes com fervor, com elas mesmas discursavam contra as “coisas desse mundo” denominadas mundanas ou do demônio.
Romper com a religiosidade e manter-se firme, quer dizer de algum modo não praticando atrocidades, tais como o fizeram os escatologistas das seitas de Jim Jones e David Koresh.. Que foi uma quebra violenta de tabu, isso foi. Também foi uma bravura escandalosa, que para os religiosos é absolutamente aviltante. Essa rebelião simbolicamente representava a tão almejada independência e satisfação dos desejos carnais. A posse definitiva da vida terrena, mas do que a vida eterna. Daí o confronto de opiniões e conflitos entre aqueles que se rebelaram e os outros que permaneceram e permanecem religiosos, residindo dentro da Vila de Noiva do Cordeiro. Dessa luta entre as partes ocorreram muitos atritos, processos e ocorrências policiais. (No período de 2006-2008 os ativistas do Purbasiun Vitae Project – Intelectual Ecology e ASMAP empreenderam-se em grandes esforços para trabalhar com as duas partes, um dos mais desgastantes exercícios de tolerância e profissionalismo, que provocou grande estresse, mas forneceu muitas informações para o entendimento desse processo de relações humanas conflituosas).
A condição mental e física daqueles que se sujeitaram, durante anos aos regulamentos religiosos, próprios mas demasiadamente austeros, provocava tensão e conflito interior. O rompimento decisivo com o modo de vida anterior é um ato de extremo significado e distinção. Para prosseguir, tiveram de testar suas realizações novas e importantes, pouco a pouco, incorporando-as ao prosseguimento de uma experiência de vida total.
Ressaltando as características novas que adotaram, foram pouco a pouco criando um ato novo de ação, com uma comunidade distinta. É fato que desenvolveram uma autoconsciência social com a angústia e o sentimento de culpa, ao mesmo tempo, própria daqueles que se encontram em duas fases, e transição. Não é fácil enxergar as modificações psicológicas essenciais e o que caracterizaram cada uma delas, pois seguiram mais ou menos um princípio de desenvolvimento. A vida emocional dos moradores teve uma reorganização profunda, e a bem da verdade, não se pode negar um conhecido estado caótico. Elaboraram suas defesas para salvaguardar a integridade do grupo. Várias dessas manobras defensivas acabaram sendo de valor adaptativo, facilitando a integração das suas inclinações, talentos, faculdades mentais e ambições. As tantas tendências forjaram o que constitui a vida adulta desta comunidade, ao menos em parte.
DA TRANSIÇÃO À IDENTIDADE DEFINIDA – O acontecimento em Noiva do Cordeiro é um fenômeno inigualável, digno de estudos profundos e análise, é aconselhável que todo acadêmico que visita, realiza pesquisas, seja de um dia, uma semana ou por um mês, que durante dois anos consecutivos, em observação-participante, muitas lacunas ficaram sem ser preenchidas e grandes surpresas ocorreram, o que não aconteceria num período curto de convivência. Nos estudos etnográficos destacam-se as condições de vida e o que realmente celebram como Bem e Mal, o que significa para eles – respeito, fidelidade, felicidade, justiça social, religiosidade, etc. Para um estudioso de história e antropologia dentre outros profissionais, o acontecimento fenomenal teve, tem e terão grandes efeitos nas vidas deles. Não foi um simples ato de deixar de fazer algo ou fazer. Trata-se de romper com regulamentos onipotentes.
Toda mudança requer uma vontade maior do que a anterior. No caso específico do religioso convivendo dentro dos limites da sua comunidade, com um mínimo de comunicação com o mundo exterior, ao menos em relação à Sede que pertencem, a sobrevivência foi espetacular, pois viabilizou modos e maneiras mais eficientes. Adiantaram nos modos comportamentais pelo constante convívio com os habitantes da metrópole e norte de minas. O que distanciou ainda mais dos costumes provincianos da zona rural de Belo Vale. Evidentemente, que ao se falar de relacionamento entre pessoas de crenças diferentes, em muitas das vezes é normal e sem maiores problemas. No Brasil não existe conflitos religiosos com violência física, costumeira. Mas existe uma violência implícita em que certos grupos se consideram melhores nas suas escolhas religiosas.
No caso dos seguidores da Noiva do Cordeiro foi um rompimento corajoso, um acontecimento excepcional. Paradoxalmente, uma libertação do que os havia libertado anteriormente. Havia uma pressão interna e externa que impedia a tradição do protestantismo. Com o fundamentalismo da seita a proposta era ainda mais árdua. Os filhos do pastor, considerados seus herdeiros nas obrigações de exemplo e religiosidade, estavam numa faixa etária de grandes expectativas, não conviviam confortavelmente com o sistema da doutrina. Uma das moradoras disse que: “... não concordava com o que o Pastor dizia, nem queria ser uma “santa” (na acepção penosa de abnegação e sofrimento). Queria fazer coisas boas, melhorar a vida, viver neste mundo, dentro dos limites deliciosos do mundo. Ela queria muito o bem para seus irmãos, primos, e todos os vizinhos, ganhando dinheiro. Ela enfatiza dizendo que nunca foi do tipo rebelde que as pessoas pudessem pensar que fosse excêntrica. Sempre foi de iniciativa com mente funcionando para pensar e com o coração procurando felicidade.” Havia um tom de fanatismo, com as obrigações que era, evidentemente, vexatório para os jovens e adultos. Havia uma série de restrições e regulamentos rígidos. Eram proibidos de quaisquer práticas de jogos, não eram aconselhados trabalhar com vínculos trabalhistas, não era permitido relação pré-marital, não era permitido ter vícios. Também existia o “Chamar no meio”, que era um modo de manter a disciplina, fazendo com que a pessoa que houvesse cometido um erro fosse chamada a atenção publicamente. Faziam um círculo e a pessoa ficava ajoelhada, no centro.
Pouco a pouco, com a mudança e discussões entre eles, estava surgindo uma resistência silenciosa muito antes do rompimento total. Talvez tudo tenha começado de forma suave e aparentemente inocente. Conta-se que dos filhos do pastor Anísio, desenhou todas as cartas de baralho, num papel, depois recortou. Os jovens começaram a jogar escondido. Interessante, que esta é uma das formas mais curiosas de passatempo entre os moradores. Raros são os que não passam horas a fio jogando, nos momentos de folga. Muitas vezes cartas de baralho, outros no computador recém-chegado na comunidade.
Com a idade avançada do Pastor Anísio, os filhos possíveis sucessores e os demais seguidores começaram a discutir o estilo de vida, e sem planejar ou saber, estavam começando a realizar uma mudança revolucionária; fato acontecido há vinte anos atrás. Ninguém ainda não sabia da importante história da Maria Senhorinha de Lima. É incrível a coincidência, pois quase cem anos depois, estavam fazendo algo semelhante ao que ela fez. Eis o que existe de espetacular para os estudos antropológicos. Discutiram principalmente o jejum. Contaram-nos que não era fácil obedecer. Havia pessoas que enganavam o regulamento de purificação e beliscava comida na cozinha. Muitos sentiam tontura, mal estar físico.
Pouco a pouco a ordem das coisas foi sendo mudada, diminuindo os dias de jejuar. Depois diminuindo as horas de jejum e por sua vez surgia a liberdade de somente alguns, por conta própria, ficarem sem comida. Estava começando a Rebelião dos Fiéis. De uma coisa para outra foi um pulo, e logo estavam sem os ritos da religião cheia de mágica para transformar em santos os seus crentes. Tudo aconteceu no espaço de tempo de um ano.
Estavam saindo da santidade para viver a condição deliciosa de humanidade, com os defeitos e qualidades desta vida na Terra. Queriam a vida, e viver esta vida com tudo que mereciam ter dela. Por dentro, começava uma era de novas descobertas, parecidas com as dos adolescentes ficando rebeldes para viver o prazer dos adultos. Um desejo de liberdade que, evidentemente, não sabiam usar com as habilidades que o jovem, desenvolvido a contento, parece saber melhor. Adolescentes quando estão passando da idade da inocência para a vida de adultos, fazem muitas estripulias. Os fiéis libertos, neste ato de rebelião, assemelharam-se a adolescentes, e começaram a beber, fumar, dançar forró e fazer muita farra. Era uma alegria de criança em corpos de adultos. Um dos mais infelizes atos dos moradores é o tabagismo e alcoolismo.
Algo complicado de se entender com algumas poucas e simples palavras. Fato constrangedor e mesmo perigoso de se falar com palavras bonitas, mas que não respondem verdadeiramente. Religião é assunto difícil de discutir, e todos deveriam estudar o assunto para não ser enganado, ou pior ainda, para aproveitar desta prática e suas inúmeras vantagens. Negar é fácil. Difícil é fazer a negação sem parecer ingênuo no argumento. Por isto mesmo, é intrigante o acontecimento religioso. Todos devem saber que os regulamentos impostos aos crentes fazem com que estejam sempre dispostos a defender suas idéias, pensando falar em nome de um Deus Especial. É possível que muitos se sintam melhores que outros não-religiosos.
VIVER NO MUNDO DE CIMA OU ÀS MARGENS? Para um católico romper com o catolicismo e converter-se ao protestantismo é perfeitamente concebível. Ao contrário, um protestante converter-se ao catolicismo é algo extremamente raro. Protestantes mudam de seita protestante para outra igualmente protestante. O católico tem uma relativa facilidade para aceitar os cultos, inclusive de espiritismo, sem maiores constrangimentos. O mesmo não ocorre com o evangélico. Carl G. Jung, em Psicologia da Religião, explica de uma maneira clara o que poderia servir para compreender a condição espiritual de Noiva do Cordeiro, e ele diz o seguinte:
O protestante está entregue só a Deus. Para ele, não há confissões, absolvição ou qualquer possibilidade de cumprir uma obra de divina expiação. Tem de digerir sozinho, seus pecados, sem a certeza da graça divina, que por falta de ritual adequado tornou-se-lhe inacessível. Isto explica o fato da consciência protestante haver despertado, convertendo-se em má consciência, com as desagradáveis propriedades de uma enfermidade latente que coloca o homem numa situação de mal-estar. Mas por isto mesmo o protestante tem a oportunidade única de tomar consciência do próprio pecado, em grau dificilmente acessível à mentalidade católica. O católico tem sempre a seu dispor a confissão e a absolvição para equilibrar um excesso de tensão. O protestante, ao contrário, se acha entregue à tensão interior que pode continuar aguçando sua consciência. A consciência, e muito especialmente a má consciência, pode ser um dom de Deus, uma verdadeira graça, quando aproveitada para uma autocrítica mais elevada. Como atividade introspectiva discriminatória, a autocrítica é imprescindível para qualquer tentativa de compreender a própria psicologia. Quando se incorre nalguma falha inexplicável e se pergunta qual terá sido a sua causa, é preciso o aguilhão da má consciência e a faculdade discriminatória que a acompanha para descobrir as razões do próprio comportamento. Só assim pode o homem ver quais são os fatores que o levam a agir de um modo ou de outro. O acicate da má consciência estimula também a descobrir coisas até então inconscientes, tornando possível ao homem transpor o limiar do inconsciente: ele pode assim perceber as forças impessoais que se ocultam em seu interior, convertendo-o em instrumento de assassínio em massa. Ao protestante que sobrevive à perda total de sua Igreja e continua protestante, isto é, ao homem desamparado perante Deus, sem a proteção de muros ou comunidades, é dada a possibilidade espiritual única da experiência religiosa imediata.”


Adiante o mesmo autor diz o que é experiência imediata:
“A vida imediata é sempre individual, pois o indivíduo é o sustentáculo da vida. Tudo quanto provém do indivíduo é, de certa maneira, único e, por isso mesmo, transitório e imperfeito, especialmente quando se trata dos produtos espontâneos da alma como os sonhos ou algo semelhante. Nenhum outro terá os mesmos sonhos que eu, embora se defronte algumas vezes com problemas idênticos aos meus.”
É claro que existe um paralelismo entre os acontecimentos biológicos do crescimento e desenvolvimento social. O biólogo define a infância com base no grau de desenvolvimento orgânico; o psicólogo formula sua definição baseada na do biólogo e no desenvolvimento mental do indivíduo. O estudioso da sociedade dispõe de um campo vasto para decidir o que será a infância da comunidade que estuda. Mas em linhas gerais, por comparação, define o estágio que se encontra, observa e escolhe o termo de definição a partir do que se considera a idade da pedra lascada até a idade do ouro. Não quer dizer que a simples posse do ouro define o grau de cultura.
O ato de rebeldia é um ato de rompimento com o antigo e a busca por satisfação social. Nem sempre o ato rebelde provoca desenvolvimento e melhoria na qualidade de vida. Depois de um ato rebelde nada voltará a ser como antes. Existe um sistema com regulamentos para serem seguidos, que é verdadeiramente o que todos devem fazer, para evitar transtornos desnecessários. O sistema deve ser alimentado com idéias positivas, realistas e mais do que nunca, excelentemente concatenadas, nunca como se fosse uma brincadeira de criança. Certamente são os rebeldes que fazem andar o mundo, mas deve ter juízo o bastante para não reinventar a roda ou ser irresponsável de atrair grandes males a todos, por suas extravagâncias e “criatividade”. O rebelde, deve antes de mais nada, dar bom exemplo e mostrar que sua “rebeldia” tem lógica, apontando o erro que deve ser corrigido. Rebelde sim, mas na acepção de pioneiro e empreendedor, não apenas um aventureiro. Todos devem considerar como de fundamental importância os atos para o mundo de cima; é uma busca incessante de adaptação para melhorar a vida neste mundo, pois quem não está nele, vive às margens ou pior ainda, vive debaixo dele.