sexta-feira, 5 de junho de 2009

NOIVAS DO CORDEIRO; Um Cenário Teatral e Cinematográfico

"Não ignoro que a natureza invejosa dos homens, sempre prontos a criticar e lentos a elogiar a ação dos outros, torna toda descoberta de novas ordens e modos tão perigosa para seu autor quanto é para os navegadores à procura de mares e terras desconhecidas. No entanto, animado por esse desejo, que me leva sem cessar a fazer o que é vantajoso para todos, me determinei a abrir uma rota ainda não trilhada, na qual, sem dúvida, terei muita dificuldade de caminhar" (Maquiavel)

Ainda no ano de 2005, Noiva do Cordeiro era apenas um local que em Moeda as pessoas não comentavam e nem sabiam que existia, apesar de estar há 22 km de distância. Contudo, após as atividades iniciais em Chacrinha dos Pretos, surgiu o convite da Secretaria de Cultura e Prefeitura de Belo Vale para serem realizadas atividades na Sede do Município, então, começaram surgir burburinhos sobre um local encantado, que os jovens da cidade falavam. Estavam falando sobre a Vila de Noiva do Cordeiro. Bruno Johnny, um jovem ativista da ASMAP, foi quem primeiramente tomou conhecimento deste tão "atraente" local. Por sua idade e simpatia, os jovens para agradá-lo, mencionaram o local, como que dando mostras de uma amizade por ele, com dicas para diversão. Entretanto, justamente pelo tipo e natureza do seu trabalho na região, na monitoria de estudos antropológicos, os comentários deixaram de ser apenas algo jocoso e interessante ou divertidos, mas sim, motivo de preocupação; imagine-se que todos os visitantes que viessem à Belo Vale fossem convidados a visitar um "prostíbulo a céu aberto", como a idéia era transmitida. A cidade com certeza estaria atraindo visitantes cada vez mais indesejados, à procura de turismo-sexo-droga. Esta é uma combinação certamente geradora de vários tipos de violência, com em várias regiões. Eis os motivos para que novas informações fossem tomadas para uma discussão antropológica sobre as implicações deste costume; com preocupações profissionais e cidadania. Restava agora conferir se realmente estavam falando de um "prostíbulo" e o que fazer com a informação. Nas primeiras sondagens, os moradores que demonstravam seriedade foram perguntados sobre o este local; alguns afirmaram que realmente alí funcionava um prostíbulo e que o local era demoníaco. Uma senhora evangélica atestou que o "Satanás" estava sempre presente no local e às vezes poderia ser visto materializado, outra jurava que eles estavam envolvidos com toda sorte de criminalidade, que ela fez questão de enumerar - incesto, drogas, pedofilia, e arruaças. Ouvir e não imaginar foi praticamente impossível, e impressionava a maneira com se expressavam - com muita veemência. Por fim, e de modo distinto, surgiu uma informação contrária, quando jovens alunos, Breno Moura e Maxwel, disseram que não era verdade o que falavam, pois eles, no dia 06 de junho de 2006,fizeram uma excursão com moradores de Noiva do Cordeiro e foram convidados para entrar, sendo recebidos com mesa farta de doces e muitos sorrisos de simpatia. Certamente, com o tanto de informações negativas, não foi o suficiente para acreditar piamente. Outros foram perguntadas e estas últimas reforçaram a idéia de que o prostíbulo não existia.
De modo concreto poderia supor uma alienação ou mesmo um sentimento de humilhação, por parte do moradores daquele local, e que de algum modo havia um conflito entre os grupos de pessoas que se opunham a eles. As informações iniciais fariam surgir quadros mentais, cada vez mais negativos, e pode-se supor o que poderia causar em aventureiros procurando testar suas habilidades. A partir de Moeda as informações sobre Belo Vale eram muito mais associadas a antigas rivalidades do que pelo seu rico patrimônio histórico e cultural, logo todo cuidado seria pouco. É evidente que certos comentários estimulam até as mais lentas imaginações; no caso do pesquisador de campo, experimentado, precisa ter uma mente disciplinada, para não ocorrerem associações de idéias equivocadas. O que não aconteceria com o visitante comum em busca de satisfações e prazeres.
O assunto desde então despertou controvérsias, e está muito longe de ser pacífico. Depois da primeira visita ao local em 28 de agosto de 2006, com o convite para pernoite, surgiu um compromisso profissional de auxiliar a comunidade a combater a onda de boatos e cartas anônimas que sempre e mais envolviam elas em intrigas e perversidades sexuais. O cenário inicial foi profundamente perturbador, com o modo de recepcionar, na entrada do casarão mais novo, onde pouco a pouco foram surgindo pessoas, a maioria mulheres jovens, sempre em grupos. Sem qualquer insinuação de nenhuma delas, somente gentilezas. Posteriormente ocorreu o convite para explicações detalhadas sobre a Antropologia da Comunicação e o que seria possível para usar esta tecnologia a favor da comunidade. Deu-se início a Mobilização social, com a organização de atividades comunitárias que não havia para a ampla maioria. Com a observação participante, cada vez mais acentuada, surgiram novas e proeminentes idéias sobre o local, e as razões que inspiravam comentários maldosos. Foram realizadas palestras e convidados profissionais para auxiliar. A partir de Moeda foram organizadas ações práticas, e estiveram intensamente envolvidos o jovem Renato (comerciante conhecido como Chico, pelas suas habilidades de comunicação e engajamento), também servindo de conselheiro o senhor José Maria dos Santos (José dos Óculos). Posteriormente, outros participaram de modo direto e indireto.
Os comentários eram certamente difíceis de combater se não houvesse uma mudança atitudinal por parte dos próprios moradores de Noiva do Cordeiro, que até então resistia inclusive a aceitar o nome do povoado pela associação com a Igreja que eles rejeitavam. A comunidade não demonstrava unanimidade e logo surgiram os primeiros focos de resistência, e acontecimentos difíceis de contornar. Tornou-se possível reconhecer que o grupo A exercia poder sobre B e C, com o grupo D apenas surgindo em momentos de confraternização e feriados prolongados. Com as reuniões, palestras e oficinas realizadas, uma série de medidas foram tomadas pelo grupo A, inclusive com avisos e expulsão punitiva. Momentos tensos no início do ano de 2007, e estudos investigativos intensos, no cartório e delegacias. Havia realmente algo intrigante e fenomenal no passado histórico da comunidade, assim como uma vontade suprema de mudanças e aceitação social.
É muito lógico, e de acordo com os recentes dados, acreditar que havia um caráter fenomenal nos acontecimentos do passado. O que nos interessa presentemente não é o que as pessoas comentaram, imaginaram, ou interpretaram, mesmo que sejam citados, mas certamente o que fez este rompimento extraordinário, deles, fiéis da Igreja Noiva do Cordeiro. Como suportaram as mudanças e o que influenciou nas suas mentes, fazer justamente aquilo que antes eles eram educados a crer que se tratava de "práticas demoníacas"?
Obviamente as mudanças radicais e repentinas desempenharam, pelo conjunto de ações, e explicitamente no detalhe da transgressão contra as suas próprias normas, naquele período. Seria possível transformar o local sacramentado da Igreja,denominada, Noiva do Cordeiro, tida como a mais verdadeira, sem ocorrer quaisquer alterações nas mentes deles? Como suportaram as mudanças? Ficou mais ou esclarecido que estavam deixando um modo rígido para outro menos opressor. No entanto, quais seriam as mudanças espirituais que sofreram? Para os vizinhos e religiosos da seita que continuaram fiéis, mesmo sendo uma minoria, a transgressão era um insulto à ordem existente, com sérias implicâncias nas suas relações. Numa palavra, para qualquer religioso próximo, e suponhamos, que todos nós que estamos lendo este artigo, fóssemos profundamente religiosos, eles passariam a ser vistos de maneira distinta e censurável. O acontecimento arrastou o pensamento, durante muito tempo, a hipóteses as mais desconcertantes.
A escatologia cristã incorporou a doutrina quiliástica (uma seita judaico do século I, milenarista), com a expectativa da presença divina e salvífica, para combater as trevas e Satã, com suas forças tenebrosas. De um lado os cristãos defendem a beatitude contra a profanação satãnica e orgiástica, pelo combate à poligamia, divórcio, concubinato, incesto e toda sorte de perversões sexuais. Atesta-se e muitos concordam que o cristianismo trouxe civilização aos povos. Qualquer rompimento drástico com esses regulamentos gera conflito e fere a ordem. Considerações que pode-se supor foram tratadas pelos que discutiram essas mudanças repentinas e transgressoras. Os vários processos judiciais ocorridos naquele período dão sinal de que havia tensões e divergências contundentes. Pode-se com isto dizer que a Comunidade Noiva do Cordeiro não é o céu e tampouco o inferno. Há uma clara distinção entre um grupo e o outro, e certamente os religiosos mais apaixonados seguem ao pé da letra os versículos bíblicos. O que fez ocorrer esse tratamento cruel contra as mulheres, em especial, pela afirmação de que as moradoras do local são "prostitutas".
A raiz da maioria dos erros dos "pesquisadores de gabinete" é o fato de que fazem visitas simpáticas, como se fosse papai-noel, sempre diante das luzes e holofotes das festividades coletivas. Poucos estão prontos e se dispõem conviver intensamente com essas populações. No caso de uma reportagem com o tempo corrido de uma redação é ainda pior e mesmo durante dez dias o que um repórter poderia ouvir e saber depende do tanto que esteja disposto trabalhar par colher todas as opiniões referentes a um mesmo assunto. No caso, dessa comunidade até o momento nenhuma reportagem procurou os mais ferrenhos opositores deles para ouvir o que tinham para dizer. Não por estarem distantes, pois, embora isolados, residem dentro do vilarejo. Durante os estudos etnológicos foram entrevistados e conferidas muitas de informações; análogo a um inquérito policial.
Com um esforço de ser compreendido e na busca de uma autoridade melhor, podemos nos ancorar em Sócrates, na República de Platão, após fazer o elogio da verdade, declara de modo categórico: "Cidadãos, vós sois todos irmãos. No entanto, Deus vos constituiu diferentemente. Alguns dentre vós possuem o poder de comandar, e em sua composição, ele misturou ouro; donde o fato de possuírem também o direito às mais altas honrarias. Outros foram feitos de prata, para serem auxiliares. Outros, enfim, que são os lavradores e os artesãos, foram feitos de cobre e de ferro". Evidentemente que o acima exposto está em contraposição às observações superficiais, sobre essa apaixonante comunidade, ao que pensam aqueles que somente conheceram, de forma artística,os moradores e seu cotidiano. Aliás, uma herança espetacular, muito provavelmente um ato substitutivo dos ritos religiosos anteriores, é o teatro praticado pelos moradores da Vila Noiva do Cordeiro. Muitas vezes foram capazes de grandes surpresas, encenações com choros e risos convincentes. Não é de duvidar que possa ser encontrada alguma revelação artística entre eles.
É necessário uma retificação e manter o respeito à verdade, sem ferir os preceitos éticos, seja da reportagem, do comentário, do documentário, etc. Com efeito, deve-se esboçar uma problemática própria que o assunto requer, sem permitir que equívocos prevaleçam, assinalando o que é e o que não. É por uma espécie de reconquista do fundo não objetável do homem que pode ser compreendida a legitimidade de que a pesquisa e observações sobre Noiva do Cordeiro estejam para além dos sonhos paradisíacos e utopias inimagináveis. Pelo acima exposto, está claro que é necessário ser discutido tudo que cerca o acontecimento fenomenal de quebra do tabú contra o sagrado, depois disso os princípios organizativos e adaptação às fortes mudanças que ocorreram. Sem as lentes róseas do romance e excessivo humor, ou a desaforada rejeição, pois a vila de Noiva do Cordeiro é ainda um cenário teatral e cinematográfico, muito apropriado para o cinema e televisão.